21- Sérgio Vieira

digito no google o nome de nossos mortos
eles chegam festeiros e sem interface gráfica
são nem filas de zero e um ao neo de meus olhos

mas matéria-energia no relógio mole e exato
me abraçam o angelus novus o medo no dente
a isca que fisguei naquela viagem de 1984

é festa de não esquecer o que ainda vem
um primeiro de maio no largo da abolição
pais e pátria passados sem lágrima nem gim

Esse é o poema de número 84 do meu livro Venta não. Tentei compensar a amargura e a dor que a imagem final do livro de Orwell me causou quando o li pela primeira vez, em 1985 (emprestado do Aldo, um cara que saiu uma vez da Escola de ensino médio de ambulância, para o Hospital, completamente alcoolizado, um dos meus melhores amigos) pela percepção festeira e festiva do presente. Fica ali, um verso de que gosto especialmente, pelo alcance público de seu significado, “um primeiro de maio no largo da abolição”, mas também pelo significado íntimo, pessoal, que talvez só venha a ocorrer a poucas pessoas que dividiram comigo o convívio, a amizade e o estudo com o Professor Sérgio da Silva Vieira.

Antes de mais nada, o responsável por não ter sido eu mais um dos alunos a sair em coma alcoólico do colégio. Sérgio dava aulas de português tão instigantes e durante as quais, segundo ele, eu fazia perguntas igualmente curiosas, que nos aproximamos. Também oferecia cursos de idiomas (as neolatinas e inglês), além de Português para concursos e outros preparatórios, em sua residência, que comecei a frequentar em 1986, na rua Silva Xavier, a duas quadras do Largo da Abolição. Entendo, pelo menos com o verso quis dizê-lo, que começava ali

a possibilidade real de um trabalho com o qual eu me identificava.

No ano seguinte eu já entraria para a Faculdade de Letras da UFRJ mas permaneceria estudando na casa do Sérgio, pelo menos até 1994. Francês, Espanhol, Italiano, Filologia Românica e Gramática Histórica da Língua Portuguesa. Foi tudo ali. Tornamo-nos amigos. Ele, um segundo pai para mim.

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