Hoje, exatamente enquanto escrevo esse parágrafo, vamos cuidando do lançamento de desimitações, seu nono livro, cuja orelha também escrevi:
Este livro retoma, e com isso reafirma, um recurso que já está consolidado na poética de oswaldo martins, da negação. Há, na formação da palavra “desimitação”, o mesmo prefixo que aparece no título de seu primeiro livro, desestudos. Da mesma forma, a negação estará presente nas “mini”malhas do alheio, no “oco” da lucidez, no “im”preciso da cosmologia, apenas para citar alguns títulos. Essa talvez seja a estratégia formal para a realização daquilo que o crítico Luiz Costa Lima reconhece como a “formulação positiva do vazio”.
Além da negação do ornamento no corte preciso e seco dos versos, a poesia de oswaldo martins nega certas tradições e lugares, a partir de um estimulante exercício dialógico com o outro. Pintores, compositores, poetas, artistas e pensadores em geral, comparecem ao diálogo sempre provocativo empreendido em sua obra. De Modigliani a Di Cavalcanti e Glauber Rocha, de Diderot a Nelson Cavaquinho, esses são apenas alguns dos interlocutores eleitos, sem falar de Artur Bispo do Rosário, artista ao qual o autor dedica um livro inteiro, manto.
Estas desimitações não deixam por menos. Adotando um tom jocoso da sátira, o poeta não deixa de prestar sua homenagem aos grandes (e pequenos) nomes do panteão de poetas brasileiros. O leitor vai encontrar, aqui, Bandeira, Drummond, Cabral, mas também Casimiro de Abreu e Ana Cristina Cesar. Há, inclusive, poetas de fora, como Camões, Neruda ou Tennyson. O que todos têm em comum? A láurea que ficou maior que os versos.
Porém, muito mais do que a apresentação de um elenco referenciado (e reverenciado) pelo jogo parodístico, desimitações apresentam uma tese, a de que a láurea dos poetas brasileiros vem a ser gêmea da toga dos magistrados corruptos. Pela crítica a uma poesia excessiva, frágil, mas incensada, dos árcades aos contemporâneos, oswaldo martins revela a fragilidade da sociedade que se deixa desmobilizar por juízes e outros doutores que, de toga, jaleco ou farda, com seus conjes e sua corja, vivem da mais valia dos privilégios ante um povo, ainda, bestializado.
Reconhecer que o conhecimento crítico da poesia é a grande chave de entrada para a compreensão da sociedade é o principal motivo que faz com que esse livro de oswaldo martins seja, desde já, um clássico, no sentido de que é leitura obrigatória nas classes de nossas escolas. Se isso não acontece, se as escolas continuam sendo porcas, não é por pudor ou moralismo. Se assim o alegam, esse moralismo é hipócrita e quer somente escamotear o status quo, estabelecido desde as capitanias hereditárias, com base no jugo do povo preto e pobre. E contra isso, as desimitações se levantam.
Desimitações coincide com os 20 anos de nossa amizade. Repito, de mim para ele, a dedicatória com que me presenteou nesse livro: é um irmão que ganhei durante a vida.
Combinamos, um dia, eu e Oswaldo, de não assinar as orelhas que fazíamos da TextoTerritório. São muitas, e saem como um texto institucional. Mas estas foram, sim, todas minhas.