Retomando o início do memorial, 2020 foi um ano suspenso, de vida suspensa. O Estágio pós-doutoral em Coimbra realizou-se parcialmente, com atividades à distância. A viagem a Portugal durou duas semanas de rua e meses de confinamento e solidão.
Somente em 2021 consegui realizar um dos objetivos do projeto, a construção de um livro híbrido, de poemas e um ensaio, Mercado de engenhos.
Talvez uma tese valesse mais que esse memorial, essa colagem fragmentária e lacunar, para obter a titulação a que concorro. Eu mesmo vou me adaptando à ideia de apresentar um livro de poemas como tese. Mas, se proponho isso aos meus orientandos, creio que deva ser assim que melhor posso me submeter a uma banca. Segue-se uma tese, cuja discussão também muito me valerá. Ela é oriunda de pesquisa sistemática e de escolhas voluntárias e objetivas de construção. Quer, mais do que o memorial, produzir conhecimento.
Por sua vez, esse memorial pode bem ser um tromp l’oeil. Faz jus à necessidade que se nos impõe de privatizar as conquistas públicas. No meu caso escrevo-o para ver se consigo acreditar nesse ponto da carreira a que ora chego. Vislumbrar o que fiz e aceitar essa espécie de medalha de honra ao mérito.
Medalha, nos tempos que correm, não é uma boa imagem. E talvez deva ser outro o único testemunho que devo dar na espécie de autoficção que vou terminando por aqui. Seguramente, a aprovação que obtive naquele concurso público de 2004, as bolsas e os recursos que recebi e administrei desde então para pesquisar e formar pesquisadores em estudos literários, publicar artigos e livros, especialmente, em literatura marginal-periférica, foram conquistas que não se deveram apenas aos meus méritos. Foi inequívoco, durante todo aquele período, o investimento público no ensino superior, na pesquisa, nas ações afirmativas, na democracia, enfim, em algo nebuloso e disperso que tentamos arduamente identificar como “povo brasileiro”. Então, só me é possível contar essa história privada, porque sou tributário desse investimento público.
Hoje, quando as medalhas e as patentes voltam a valer mais do que a pesquisa, a ciência e a democracia, sinto urgente necessidade de dividir essa conquista com meus pares e meus parceiros para, de mãos dadas, reconhecermos que ainda há muito trabalho pela frente.
2021