5- Sábado, 25 de abril de 2020, sem cravo nem alecrim

Chico Buarque, um dos constantes interesses de pesquisa, desde minha dissertação de mestrado.

No próximo 25 fará um ano do dia em que quase o encontrei, em Lisboa, na cerimônia de outorga do Prêmio Camões de 2019. Eu estava em Coimbra desde o final de fevereiro, como professor visitante, cumprindo parte do projeto de pós-doutoramento, para o qual me licenciei de agosto de 2019 a julho de 2020. Julinho (Valladão Diniz), da PUC-Rio, que assinava a supervisão do meu projeto de pós-doc, estava em contato com Luisa (Severo Buarque de Holanda), que também andava por lá, às voltas com um pós-doc em Lisboa.

Não houve cerimônia, mal houve conclusão do meu projeto. Naquele 25 de abril, fazia 42 dias que eu estava trancado no apartamento que alugara em Coimbra, para passar o semestre e onde aguardava minha companheira, Carolina, que também faria pesquisas, na UC, sobre assédio sexual no ambiente universitário. Ela não foi. Já então, eu ministrava por Skype as aulas para uma turma de mestrado da Faculdade de Letras de Coimbra, cujo tema era justamente a cultura brasileira contemporânea em diálogo com a obra do escritor e compositor laureado. Ainda pude assistir, talvez pelo Instagram, um vídeo em que Chico agradecia e lamentava não poder comparecer à cerimônia de entrega, adiada por causa da pandemia, enviava uma saudação aos portugueses pela data comemorativa e ainda pedia que guardassem “o pensamento para seus irmãos brasileiros, que estão, mais do que nunca, necessitados de um cheirinho de alecrim”.2

Ainda ouvi, vindo de uma ou duas janelas de Coimbra “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso. Nem cravo vermelho nem alecrim.

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

Não tenho coragem de dizer que, por esses motivos, aquele 25 de abril foi para mim um dia tristíssimo. Naquele sábado em que se comemoravam, no silêncio dos lares portugueses, os 46 anos de uma revolução que pôs fim à ditadura salazarista com o ínfimo saldo de 4 mortos, amanhecíamos com a notícia de que no mundo as mortes por covid-19 ultrapassavam as 200 mil. Com certeza não foram apenas meus planos os desconcertados. E a tristeza não se devia a uma frustração pessoal.

Cinco dias depois embarcava de volta para o Brasil. Com a ajuda, à distância, de Carolina, pois eu não atinava os acessos ao aplicativo das empresas aéreas e a louca flutuação de preços e de vagas, conseguimos uma passagem. Era um voo por semana. Veio lotado.


1 Não sei se foi um sábado, “dias iguais, avareza de Deus”, como diz uma canção do mesmo Chico Buarque em parceria com Luiz Cláudio Ramos.

2 https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2020/04/27/chico-buarque-agradece-premio-camoes-e-lamenta-nao-poder-receber-por-causa-da-pandemia.ghtml, acessado em 23/04/2021.

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